Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Um dia minha mãe morreu
E foi como se ...
...
Uma mãe tivesse morrido
Morreu, assim, intransitivo
Levando peito, ventre, palavra de mãe
Saiu a terra dos meus pés, e o tempo ficou parado
como a imagem do céu azul enquanto o carro anda
lembro da surdez, do filme mudo que passava em tela panorâmica
lembro do calor, que invadiu minha cabeça
como se uma alma tivesse ali se condensado e saído de mim
da minha irmã sem forças nas pernas
do meu irmão tentando raciocinar
essa dor que não se compartilha, nem com os irmãos
Eu não sabia nada
Não havia metáfora, nem pista de como lidar
Havia o choro, como ainda há
E uma leve esperança de sobreviver.
Coloquei o filtro da arte naquela cena comum, e a luz - que
até então estava escondida -, veio surpreender-me com seu
poder de claridade. A mulher simples, mãos calejadas de lida rotineira,
mulher que aprendeu a curar as dores do mundo
a partir de meus joelhos esfolados de quedas e estrepolias.
Aquela mulher, minha mãe, rosto iluminado pela labareda que tinha origem no fogão de lenha. Trazia consigo o dom de me
devolver a calma, que a vida tantas vezes insistiu em me roubar. Aquela cena: mulher, fogão de lenha, panela preta escondendo a brancura de um arroz feito na hora. É uma das cenas mais preciosas que meu coração não soube esquecer. Saudade de mãe é coisa sem jeito, chega quando menos
imaginamos: um cheiro, uma melodia, uma palavra... uma
imagem, e eis que o cordão do tempo,
nos convida ao retorno da infância. Como se um fio nos costurasse de novo ao colo da mulher que primeiro nos segurou na vida e agora nos pudesse regenerar.
Saudade de mãe é ponte que nos favorece um retorno a nós mesmos;
travessia que borda uma identidade muitas vezes esquecida,
perdida na pressa que nos leva. Saudade de mãe é devolução, é ato que restitui o que se parte;
é luz que sinaliza o local do porto,
é voz no ouvido a nos acalmar nas madrugadas de desespero e solidão,
através de uma frase simples: Dorme meu filho! Dorme! Hoje, nesse dia em que a vida me fez criança de novo,
neste instante em que esta cena feliz tomou conta de mim,
uma única palavra eu quero dizer: Oh minha mãe, que saudade eu sinto de você!
Mas não consigo rimar assim: Minhas coisas sem ti, e suas coisas sem mim.
E sigo sem rima. Na rua, sem rumo. Num rio, sem remo.
Com versos que desconversam. Que saem pra todos os lados.
Um poema febril, sem regra, sem métrica, sem sentido, desordenadamente, pesado, doído.
E na frustração de querer poetizar. E no rumo dessas palavras que se perdem, achou-se uma rima sorrindo, remando num rio de lágrimas, pra dizer que o poema se fez. E que é só teu.
Sim. Eu tentei começar de outro jeito. Tentei rodear para escolher a palavra certa, mas elas resolveram me faltar no momento mais especial, assim como a senhora. Não que fosse de ti deixar-me sozinha, longe de mim pensar desse jeito. Não que fosse de Deus deixar-nos sozinhos, longe de nós crermos nisso. Mas de tudo, ainda sobrevivo, e faço improviso. E ando sobre aviso. E faço o que for preciso pra que não se apague sua imagem, nem seu sorriso.
E nas respostas do dia a dia, vamos indo. E às perguntas dos amigos, vamos indo. E de tudo isso, nós vamos indo. Porque nos parece que ir bem nos remete a tê-la em nossas vidas. E vamos indo. E assim se vão os dias. E parece que os dias vão seguindo em tons de cinza. Sem cores. Sem luz. Sem ti.
E de quatro que éramos um, somos três sentindo a falta de ser um todo. Porque, como vês, falta uma parte de nós: falta a rima desses versos doídos, nestes dias tão cinzentos molhados pelas lágrimas, umas contidas, outras desenfreadas.
Falta a parte mais doce que transforma o amargor em ternura, e nos enche de cuidados.
Falta a parte sábia que nos ensina com proeza e se reveste de humildade.
E na falta desse todo, vamos indo esses dias...e teremos que ir nos outros.
E logo cedo, sem o gosto do café de mainha.
Sem o sorriso de quem mesmo acordando de madrugada dava conta de nos acordar fazendo brincadeiras, ou de silenciar para nos deixar dormir mais um pouquinho.
E vamos indo, sem a serenidade e a paciência de quem se fazia mil, mas soubera ser única.
Sem a paciência de quem zela pelo amor da sua vida.
Sem a dedicação de quem ama qualidades e defeitos.
Sem a delicadeza de quem falava ao telefone para saber como sua filha passa.
E sem a alegria de quem nos abraçava quando chegávamos de longe, ou até mesmo do outro lado da rua.
E eu vou indo. Sem a compreensão de quem conhecia meu humor, e sabia dosar o acalento sem permitir-se dobrar aos quereres de uma jovem em crise.
E agora, quando de vez em quando essa ficha vai caindo, sinto tudo mais duro ainda. Sinto o peso de meus passos sem tê-la ao lado deles, e tenho medo de cair e não tê-la do meu lado pra dar a força de sempre.
Porque não sei se conheci alguém que acreditasse tanto em mim como ela.
E talvez, por isso também, as coisas estejam ficando mais difíceis. E os dias vão-se indo sem a leveza de seu caminhar por entre os cantos da casa. Sem a precisão de suas ações. Sem o claro e bom tom de suas conversas. Sem seu encanto. Sem o contentamento de quem amava a vida com toda sua força, e soubera dar força a quem mais precisava.
E vai-se indo os dias. Não menos corrido, mas com menos sentido.
E vai-se indo os dias.
E resignamo-nos à dor de não te ver do nosso lado e de dizer aos outros que vamos indo.
E vamos indo com a saudade no peito...sentindo falta.
Falta do cheirinho de café...
Falta de quem gostava de nos enfeitar.
Falta das palavras de carinho.
Do perfume de suas mãos...
Do seu caminhar do nosso lado...
Do bolo de chocolate que fazias só pra mimar.
Das preocupações com nossas preocupações.
Do seu riso no tom do nosso...
De sua sabedoria, de sua humildade...
E vamos sentindo falta.
Falta de tudo.
E tudo perdura na falta que sobra.
Falta da mãe que nunca deixara de ter em casa duas meninas... de uma mãe que se doía com nossas febres, cólicas e tristezas. Que não tinha sono se não fosse o nosso o primeiro, mesmo quando o relógio corria e a gente chegava em casa bem depois das 10.
Falta da mãe que não tinha outra coisa em si senão o amor, pela vida, pela família, pelo casamento, pelos irmãos, pela igreja, pelos amigos...Era tanto amor que lhe sobrava pelos cantos...e se mostrava em seu olhar, em suas mãos, em ti, completamente.
Falta da mãe amiga, sem ambição, que além do que conseguira ser, no fundo queria ser sempre mais. Da mãe que sempre quis está mais perto: de nossos sonhos, nossos amores, nossas conquistas, nossas fraquezas... Falta da mãe alegre, cheia de graça, cheia de riso, cheia de Deus. E penso no choro infantilizado, ceifado em teu colo. Do mimo do dia a dia, do aconchego em meus cabelos, dos elogios mais francos, dos alertas mais maduros, do sorriso mais sincero...da minha mãe.
E no embalo dessa falta que me sobra, sinto o vazio de não vê-la com meu pai. Sinto a dor de vê-lo repartido. Sinto a dor de não te ver, mainha. Sinto a angustia de todos os familiares...Sentindo saudade.
Que seus exemplos continuem vivos.
E que a tua fé, minha mãe, seja estimulo de fortalecimento da nossa, para que acreditemos em dias menos cinzentos.
Que o amor de Deus conforte estes dias que vão indo.