quinta-feira, 3 de março de 2011

Nas asas da saudade: Minha mãe é um anjo.

Ilustração: Kurt Halsey
Eu nunca tive dúvidas de que minha mãe fosse um anjo. Pra confessar eu nunca vi suas grandes asas. Mas nem por isso eu duvidei que elas existissem.

Eu lembro que ela me contou inúmeras vezes que passara a noite voando. Eu morria de inveja porque nunca tive sonhos assim. Ela dizia que a sensação era muito boa. Era sensação de liberdade. Eu sempre ficava impressionada quando ela me contava. Quem sabe não fosse um jeito discreto de me mostrar que anjos existem, e que é preciso crer no impossível? Talvez fosse naquele momento a confissão de anjo da guarda. De anjo que vela o sono, levantando a cortina várias vezes da noite prá ver se eu e minha irmã estávamos dormindo. De anjo que poderia estar em vários lugares ao mesmo tempo. Lembro que nos meus instantes febris, ela não largava de mim, mas sempre dava um jeito de preparar algo  pra que eu ficasse bem. Isso é coisa de anjo! E se antes eu não tinha dúvidas, hoje eu tenho certeza que ela sempre foi anjo. Ela continua me guardando. A diferença é que agora pode me acompanhar pra todos os cantos.
...bem que eu desconfiava...eu tinha um anjo em casa. Eu tenho um anjo na minha vida.

...
Preciso compartilhar com vocês esse texto que encontrei. É que hoje pareço não ter outro sentimento que me mova, a não ser a saudade. E ela fica impregnada em meu peito como forma de amor que sempre vai ficar.

“Como médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional (…) posso afirmar que cresci e modifiquei-me com os dramas  vivenciados pelos meus pacientes. Não conhecemos nossa verdadeira dimensão  até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais além.
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional… Comecei a freqüentar a enfermaria infantil e apaixonei-me pela oncopediatria. Vivenciei os dramas dos meus  pacientes, crianças vítimas inocentes do câncer. Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento das crianças.
Até o dia em que um anjo passou por mim! Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada por dois longos anos de tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos pelos programas de químicos e radioterapias. Mas nunca vi o pequeno anjo fraquejar. Vi-a chorar muitas vezes; também vi medo em seus olhinhos; porém, isso é humano!
Um dia, cheguei ao hospital cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. A resposta que recebi, ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
- Tio, – disse-me ela – às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores… Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com  muita saudade. Mas, eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para  esta vida!
Indaguei:
- E o que morte representa para você, minha querida?
- Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos em nossa própria cama, não é? (Lembrei das minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, com elas, eu  procedia exatamente assim.)
- É isso mesmo.
- Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei “entupigaitado”, não sabia o que dizer. Chocado com a maturidade com que o sofrimento acelerou, a visão e a espiritualidade daquela criança.
- E minha mãe vai ficar com saudades – emendou ela.
Emocionado, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei:
- E o que saudade significa para você, minha querida?
- Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um a dar uma definição melhor, mais direta e simples para a palavra saudade:    é o amor que fica!”

Nenhum comentário: